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Querida gordofobia


provavelmente não te lembras quem sou, provavelmente estás demasiado ocupada e dificilmente te recordarás de todos nós. Eu tenho péssima memória mas acho que nunca me vou esquecer do dia em que te conheci.

Foi no meu terceiro ano de faculdade. Estava bastante doente e tu foste uma parte fundamental para me levantar. E agradeço-te por isso. Todos dizem que és , mas eu não te vejo assim. Eu tenho pena de ti, e sei que só tentas magoar porque não te sentes bem contigo mesma.

E ver-te humilhares daquela maneira para conseguires sentir-te melhor contigo mesma foi degradante. Tu que te escondes por detrás de tantos géneros e formas físicas, ainda me deixas perplexa sempre que abres a boca e reviras os olhos.

Tinha engordado 24 quilos em 6 meses, estava com excesso de peso mas para mim não era um problema assim tão grande, o problema mesmo foi ter de enfrentar todos os olhares e criticas. Aceitar o meu novo corpo não foi tarefa fácil, talvez teria sido mais fácil se não existisses, mas provavelmente a minha vitória não me teria tornado na pessoa que sou hoje.

Eu quase que me evitava, lembras-te? Olhar para mim era não me reconhecer. Sempre que me olhava ao espelho as frases de sempre sussurravam ao meu ouvido:

-Come mais que precisas!

- Tens uma carinha tão bonita porque é que não fazes dieta?

- Sara o teu namorado vai deixar-te se continuares assim. - Confesso que esta frase era das minhas preferidas. Nunca entendi porque é que as pessoas achavam que eu, gorda, não poderia namorar ou porque é que o meu namorado poderia deixar-me pelo meu peso. Como se fosse menos pessoa de quando estava magra.

Adormeci no meu próprio corpo, imagina! Mas conhecer-te foi tão bom!

Nunca tinha sido "gozada", aliás, pelo contrário. Foste o primeiro, ou pelo menos, o primeiro que realmente me afectou. Não vou dizer que não doeu porque doeu muito. Saber que falavas mal do meu corpo foi algo que me chocou. Não sei... talvez se tivesses gozado com algum traço da minha personalidade não fosse tão mau assim. Mas gozares com o meu corpo foi reduzires-me a algo físico e eu sou tão mais que isso.

Não importa, hoje estou a escrever-te esta carta para te agradecer. Obrigada querida gordofobia. Obrigada por me teres feito acordar de novo, por me teres feito mandar tudo à merda quando era preciso. Obrigada por fazeres ter pena de ti, em vez de ter pena de mim. Queria me despedir também. Queria dizer que nunca mais irás entrar na minha vida.

Em 22 anos nunca te tinha conhecido e só apareceste quando perdi a confiança em mim mesma. Eu percebi que essa era a melhor arma contra ti! Amar-me! E no dia em que acordei de novo jurei que nunca mais me iria perder! E que este corpo onde habito agora é tão digno com 90, 80. 70, 50 quilos. Sabes porquê? Porque eu sou quem eu quero ser, independentemente do meu peso.

Infelizmente não quero imaginar como é conviver muito tempo contigo. Não quero imaginar o sufoco que causas. Por tão pouco tempo que convivi ias-me sufocando lentamente.

A gordofobia é um acto baixo e acredito fielmente que pode ser combatido com a força que está dentro de nós e essa força chama-se amor próprio! Amem-se, amem-se muito! Porque quando o amor chama mais alto, as vozes de fundo nada se ouvem.

Quem pratica este tipo de actos por norma são pessoas sem auto-estima, são pessoas que se alimentam do pouco que resta das pessoas mais frágeis. Não o alimentem! Sejam felizes! Eu sofri muito pouco, mas sofri na altura em que mais precisava de ajuda... e é verdade, foi meia dúzia de coisas, mas foi o suficiente para imaginar o que será conviver com o preconceito! E a maneira como certos comentários deitavam-me a baixo destruíram por completo aquilo que restava de mim... de social passei a ter ataques de pânico. Deixei de ir à faculdades, não conseguia estar muito tempo em locais públicos, não deixava o meu namorado tocar-me. As palavras magoam tanto quanto a força física ou mais até.


Até que me apercebi que parte da gordofobia que sofria partia de mim. Não eram apenas as bocas e as piadas que ouvia por estar com um corpo diferente, mas o problema partia de mim que acreditava no que me diziam. O problema era eu não estar resolvida comigo mesma. Eu era a minha pior agressora psicológica.

Foi preciso acordar um dia, colocar AC/DC ao máximo, vestir das poucas roupas que ainda me serviam e ir por aí acordando-me em todos os recantos da cidade. E assim renasci... confiante de que eu sou tão mais do que um corpo poderia expressar. E amei-me ainda mais que antes!

Por isso amem-se, o melhor escudo e a melhor arma é amar o nosso corpo, é fazer por todos os dias sermos uma pessoa melhor. É mudar se não nos sentirmos bem connosco. É estar em movimento constante sem nunca nos esquecer-mos quem realmente somos!

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